Produção recorde ‘empurra’ azeite para Espanha
Falta de lagares e de transformadores de bagaço de azeitona está a levar produtores para a zona de Sevilha, num ano de forte produção em Portugal. E o cenário irá piorar.
A campanha de azeite que agora está a terminar vai registar níveis recorde em Portugal. Pela primeira vez, serão produzidas em território nacional mais de 180 mil toneladas de azeite, muito acima das 100 mil do ano passado e além das 150 mil inicialmente estimadas para este ano.
Os dados são avançados pela Casa do Azeite, organização que congrega praticamente toda a fileira do olival, e ainda pela Olivum — Associação dos Olivicultores do Sul, onde se concentra 85% da produção nacional. Os cálculos são feitos com base nas estimativas do Instituto Nacional de Estatística recentemente publicadas para a produção de azeitona.
Aqueles valores recorde de produção de azeite poderiam ser ainda mais elevados caso alguns olivicultores nacionais não tivessem tido a necessidade de ir processar as suas azeitonas e o bagaço de azeitona a Espanha, a alguns lagares da região de Sevilha. É que, sendo feito em Espanha, aquele azeite não é registado como produzido em Portugal.
Tudo porque a capacidade de transformação dos lagares instalados em território nacional está a esgotar-se, assim como a das três empresas processadoras do bagaço de azeitona situadas no Alentejo.
‘A bola está do lado do Governo’
Chegados a esta situação, os olivicultores só veem duas soluções: ou construir novas unidades industriais ou aumentar a capacidade de produção das que já existem. “A bola, agora, está claramente do lado do Governo, que emite as autorizações. Ou licencia novas unidades ou teremos de ir cada vez mais a Espanha processar a azeitona e o bagaço, o que, para além de apresentar custos elevadíssimos para os agricultores, também se traduz numa maior pegada ambiental, pois tudo terá de ser transportado em camiões”, explica Gonçalo Simões, diretor-executivo da Olivum.
João Cortez de Lobão, proprietário da Herdade Maria da Guarda, em Serpa, e um dos maiores produtores de azeite em Portugal, confirma aquele cenário e diz que contacta regularmente alguns desses olivicultores que tiveram de ir a Espanha fabricar o seu azeite e que entre eles reina a insatisfação face à incapacidade nacional para “dar conta do recado”. Explica ainda que a campanha em curso — que arrancou a 15 de outubro de 2021 — acabou por se concentrar num período de 40 dias, e isso traduziu-se numa acumulação de matéria-prima nos lagares.
Mas o pior cenário foi o que se viveu — e ainda decorre — junto das três únicas empresas de processamento do bagaço de azeitona (também conhecidas por bagaceiras). “Claramente, foram insuficientes para as necessidades e ficaram rapidamente sem, sequer, capacidade de armazenagem para tanta quantidade de bagaço.”
O que fazer com o bagaço de azeitona?
O bagaço de azeitona é um subproduto que resulta da extração do azeite que não é mais do que o que resta da azeitona esmagada e dos seus caroços. A verdade é que daqui ainda é processada biomassa para pellets (exportados sobretudo para os países nórdicos), óleos industriais para máquinas e alguns óleos alimentares de segunda categoria.
Ora, acontece que as bagaceiras, durante a sua laboração, acabam por produzir um fumo denso e libertam alguns odores intensos, que acabam por ter impacto nas povoações mais próximas, o que já mereceu a condenação de algumas organizações ambientalistas. Perante este cenário, as autarquias da região alentejana onde se concentra a maior parte da produção nacional de azeite também já estão a reagir negativamente não só à presença das atuais bagaceiras como à possibilidade de se virem a construir novas unidades.
A verdade é que, segundo Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, se tornou óbvia, este ano, a falta de capacidade das fábricas que processam os bagaços de azeitona para receberem este subproduto gerado nos lagares, “o que teve como consequência que alguns tiveram de parar, pois não é possível continuar a laborar se não se retirar o bagaço (subproduto) gerado pelo processo de extração de azeite” — e note-se que por cada 100 kg de azeitona que entra no lagar apenas cerca de 16 kg são azeite. Ou seja, 84kg são restos de polpa, caroço, água, etc., o tal bagaço de azeitona que, segundo aquela responsável, “atinge volumes enormes”.
Tal como a Olivum, também a Casa do Azeite reconhece que para obviar àquele cenário de constrangimento total no sector alguns lagares enviaram bagaços para Espanha e certos produtores optaram mesmo por enviar a azeitona para ser laborada em lagares espanhóis, “com o inerente aumento de custos, que teve que ser suportado pelos produtores”.
A pressão dos ambientalistas
Aqui chegados, “estamos claramente perante uma questão política, ou seja, como existe uma pressão mediática muito negativa sobre as extratoras de óleo de bagaço de azeitona por parte de alguns grupos ambientalistas e de alguns partidos, como o PAN, ninguém parece ter coragem política para autorizar novas fábricas ou o aumento da capacidade das fábricas existentes, e o problema vai-se arrastando”, frisa ainda Mariana Matos.
Esta responsável estima que, como a próxima campanha vai ser de contrassafra [por oposição à campanha de safra — ou seja, muito produtiva — que ainda decorre], não se irá colocar o problema, “mas daqui a dois anos estaremos seguramente numa situação ainda pior caso nada seja feito entretanto para solucionar esta questão”.
E na verdade, segundo ela, existem alguns “projetos interessantes” para valorização dos bagaços através de compostagem, numa lógica de economia circular, “mas como estamos a falar de volumes gigantescos de bagaços produzidos de forma muito concentrada na altura da colheita, essa solução terá que ser sempre complementar a outras”, caso contrário, estima, o problema continuará por resolver.
Para já, e apesar dos constrangimentos, certo é que o sector está a viver um período de euforia, com quantidades de azeite nunca dantes vistas numa só campanha. E como se tudo isso não bastasse, há ainda a certeza, segundo as organizações da fileira do olival, de que os preços pagos ao produtor ficarão acima dos praticados na campanha anterior. Já quanto às exportações de azeite, a Olivum estima que atinjam os €700 milhões, acima dos €650 milhões da campanha anterior.
Vítor Andrade in Expresso