Olival em sebe é a aposta, no amendoal vence o intensive
O olival, e mais recentemente o amendoal, têm tido um crescimento exponencial nos últimos anos, principalmente na zona de Alqueva. Como sempre há defensores e críticos, falámos com a produção e com a academia, e a conclusão parece ser unânime: o olival em sebe tem future e o seu impacto é idêntico, ou até menor, ao de outras culturas. Já em relação ao amendoal ainda há muito desconhecimento, por isso, para já, o conselho é ficar pelo modo intensivo.
João Cortez de Lobão, olivicultor e produtor de azeite da Herdade Maria da Guarda, refere ainda que “ao contrário do que se diz, a plantação destes olivais no baixo Alentejo aumentou a fauna e a biodiversidade, porque se não houvesse as árvores para onde iam os pássaros? Ainda há pouco tempo o presidente da Quercus veio visitar-me numa manhã e ficou admirado com a quantidade de pássaros que havia, com o barulho que faziam”. Emília Freire
O olival é hoje a cultura que ocupa maior área em Portugal – 361 mil hectares – segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), depois das pastagens permanentes (naturais e semeadas) que totalizam 1,7 milhões de hectares. Só na área de Alqueva há mais de 63.000 ha de olival, sendo a segunda cultura os frutos secos (com grande destaque para a amêndoa) com mais de 12.000 ha. O aumento do olival fez com que, em poucas décadas, Portugal deixasse de ser deficitário em termos de azeite para uma taxa de 160% de autossuficiência e o crescimento dos olivais modernos tornou o País numa referência internacional. Só que internamente a contestação tem crescido, com argumentos de fortes impactos ambientais, ao nível do ar, do solo, da água e da biodiversidade. Depois de falarmos com produtores, podemos concluir que estes argumentos se baseiam, certamente, em muito desconhecimento, uma vez que a cultura tem impactos idênticos e até menores a muitas outras.
Francisco Mondragão-Rodrigues, professor coordenador da Escola Superior Agrária de Elvas (ESAE), do Instituto Politécnico de Portalegre, que leciona várias disciplinas, entre elas a de Olivicultura e Viticultura, explica à Agriterra que o olival intensivo tem cerca de 300 árvores/ha enquanto o olival em sebe tem cerca de 2.000/ha. “Esta passagem foi muito rápida e brusca. Penso que foi isso que chocou as pessoas porque este movimento não é inédito. Se nos lembrarmos do que eram as vinhas antigamente no Alentejo, e no resto do País, tínhamos, no máximo 1.000 videiras por hectare, e hoje em dia temos cerca de 3.000/ha e no Douro até 5.000/ha, isto num espaço de cerca de 100 anos, mas principalmente nos últimos 50 anos. E aí é que está a chave porque o processo foi gradual e as pessoas nem se aperceberam”. (…)
José Maria Falcão, produtor da Herdade Torre das Figueiras, em Monforte, que tem olival superintensivo e plantou o primeiro amendoal em sebe em Portugal, deixa bem claro que “o olival em sebe, que para mim é uma solução com futuro, tem estado a crescer não só no Alentejo, mas também no Ribatejo, por exemplo, onde já há 3.000 ou 4.000ha, assim como o amendoal, mas esse quase todo em intensivo”. O produtor adianta: “A solução é boa, está muito menos dependente de mão-de-obra, a partir do segundo ou terceiro ano, porque no princípio até é mais complicado que os outros sistemas, e está a crescer”. José Maria Falcão admite que “no início era cético quanto ao olival em sebe, fui ver dos primeiros na Catalunha e eram árvores muito estranhas, mas hoje depois de desastres e sucessos já se afinou a técnica que está perfeitamente assimilada e sustentada e que dá origem a produções um pouco mais elevadas que o intensivo, mas não é por isso que acho que tem futuro, mas sim pela grande capacidade de evitar problemas na altura da colheita, essa é que é a grande mais-valia que vejo. Porque a colheita representa normalmente 40% a 45% dos custos e neste sistema em sebe a colheita torna-se muito barata”. (…)
Também João Cortez de Lobão, proprietário da Herdade Maria da Guarda, em Serpa, que tem mais de 700 ha de olival em sebe, salienta que “antigamente, os cereais eram a monocultura do Alentejo e hoje apesar de parecer ter uma forte implantação, o olival tradicional e moderno não representa mais de 6% de toda a terra utilizável na região. Houve várias outras culturas, como a uva de mesa, a vinha, o amendoal, os frutos vermelhos, que a água permitiu trazer para o Alentejo. Há, por isso, mais diversidade de culturas e uma menor utilização de agroquímicos, ao contrário do que se diz. Portugal, desde que foi deixando os cereais para culturas como o olival, foi o país da Europa que mais caiu na utilização de pesticidas, segundo o Eurostat”.
De facto, de acordo com os dados relativos à evolução da venda de pesticidas entre 2011 e 2018 na União Europeia (UE), divulgados a 3 de junho de 2020, pelo organismo europeu de estatística, Portugal foi o País que registou a maior queda (-43%), seguido da Irlanda (-28%) e da República Checa (-27%). “Entre os 14 Estados-membros da UE para os quais existem dados completos disponíveis para todos os principais grupos [de pesticidas] em 2011 e 2018, o maior aumento nas vendas de pesticidas foi registado no Chipre (+94%), seguido pela Áustria (+53%), França (+39%) e Eslováquia (+38%)”, adianta o Eurostat.
Olival consome metade da dotação do milho
Quanto ao uso da água, que se diz que o olival está a gastar a água toda de Alqueva, Francisco Mondragão- Rodrigues salienta que “é inegável que o olival em sebe gasta mais água por hectare que o olival intensivo, em sebe andará entre os 2.500 e os 3.500 m3/ha e no intensivo entre os 1.500 e os 2.500 m3/ha”, mas explica porquê: “Isso tem a ver com o volume de folhas que estão a transpirar água, mas também a produção é maior, no intensivo a média interanual ronda as nove/ dez toneladas/ha e em sebe pode chegar às 12/13 ton”.
Mas o professor lembra que “quando foi criado Alqueva pensava-se que se iriam desenvolver as tradicionais culturas da região: o milho para grão, o tomate para indústria e, eventualmente o tabaco, culturas em que as dotações andam entre os 7.000 e os 8.000 m3/ha”. E refere que, por exemplo, no regadio do Caia, que irrigava 7.500 ha, com a substituição do milho e do tomate por olivais e amendoais, hoje a água já chega a mais cerca de 2.500 ha fora do perímetro de rega porque havia água a mais.
Outra das questões apontadas por muitos é o facto da pouca durabilidade destas árvores e que daqui a 18 ou 20 anos terão de ser arrancadas e postas de novo “mas isso é o que acontece em todas as espécies fruteiras, os pomares de macieiras, pereiras etc. duram cerca de 15 anos, e não vejo ninguém ficar chocado com isso”, frisa o professor, adiantando que em relação às questões de contaminação dos solos “há sempre alguns casos de más práticas, como em qualquer atividade, mas esses serão 1% ou 2% porque os restantes são agricultores querem deixar o melhor para os seus filhos”. Exemplo da boa vontade dos agricultores é a suspensão da apanha noturna que foi decidida voluntariamente, depois de serem apresentados o estudo feito pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV). (…)
Sobre a mão-de-obra, João Cortez de Lobão mostra outra perspetiva: “O olival em sebe tem grande vantage sobre o intensivo, não tem picos de necessidade de mão-de-obra, tem sempre o mesmo número de pessoas o ano todo, temos 40 colaboradores que acompanham todas as operações culturais ao longo do ano. E não temos um estrangeiro, porque enquanto houver desemprego em Serpa contratamos localmente”. E adianta que “quando só tínhamos cereais, antes de fazermos o investimento no olival só tínhamos dois colaboradores. Hoje, temos 40 famílias que dependem de nós, a quem pagamos 14 salários por ano e também oferecemos um cabaz de compras mensal de 40€ por filho menor de 18 anos e damos um prémio líquido de 800€ no ano em que nasce um filho. É uma maneira de partilharmos as nossas alegrias com todos os que estão empenhados connosco. A justiça social não é só para quem trabalha mais, a justiça é ajudar aqueles que contribuem para a sociedade, uma pessoa que tem um filho está a trazer ao mundo uma inteligência e dois braços para trabalhar e são essas novas gerações que vão levar mais longe a humanidade”.
O produtor da Herdade Maria da Guarda refere ainda que “ao contrário do que se diz, a plantação destes olivais no baixo Alentejo aumentou a fauna e a biodiversidade, porque se não houvesse as árvores para onde iam os pássaros? Ainda há pouco tempo o presidente da Quercus veio visitar-me numa manhã e ficou admirado com a quantidade de pássaros que havia, com o barulho que faziam”.